De mãe e louco todas temos um pouco

Sejam bem vindos ao cantinho aconchegante que reservei para essa conversa. Espero que esses relatos possam de alguma forma ajudar aqueles que tem duvidas, receios, e as vezes até mesmo culpa por não serem perfeitos como gostariamos de ser para nossos filhos, que ja estão aqui, ou estão por vir.
Essa é minha forma de compartilhar essa experiencia fantastica que tem sido me tornar mãe, inclusive pelas dificuldades que passei, passo e com certeza irei continuar passando por ser Bipolar. E o quanto nos tornamos mais fortes a cada dia, a cada queda, como essa pessoinha que chegou me mostra a cada dia que passa.
A todos uma boa sorte, uma boa leitura, e uma vida fantastica como tem sido a minha, desde o começo e cada vez mais agora!

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Setembro Amarelo - Sobre como eu comecei meu tratamento

 O Setembro Amarelo é uma iniciativa de ações para aumentar a consciência e as politicas e cuidados em prevenção ao suicidio.

Eu já contei aqui antes sobre partes da minha vida. Sobre como fui diagnosticada pela primeira vez muito cedo, ou de como decidi que queria ser mãe e como o tratamento correto me permitiu fazer isso.

Depois de pensar a respeito por algum tempo eu achei que contar um pouco sobre a crise que me levou a finalmente buscar tratamento de verdade, antes de eu pensar que queria ser mãe, era importante. Especialmente durante o Setembro Amarelo.

Apesar de ter tido meu primeiro diagnóstico muito cedo, aos 13 anos, como PMD - Psicose Maniaco Depressiva - que era como o Transtorno Bipolar era chamado na época. (Sim, faz bastante tempo!) eu só comecei a me tratar de verdade aos 21 anos. Durante toda minha adolescência eu encarava minhas mudanças de humor como parte de quem eu era, como parte da minha personalidade. Muitas vezes como falhas - como a dificuldade de terminar o que eu começava, por exemplo, ou minha insônia e incapacidade de dormir e acordar cedo. - e coisas de adolescente.

Em 2002 algo acontceu que mudou muito minha vida. Minha avó por parte de pai, Angelina, morreu um dia antes do aniversário do meu pai. Na época eu trabalhava fazendo clipagem - uma coisa que não existe mais hoje em dia - e acordava as 4h da manhã para trabalhar. Minha vó tinha cancer de pancreas e todos sabiamos que ela não tinha muito tempo. Naquele dia, as 5h da manhã enquanto eu trabalhava, o telefone tocou e eu atendi. Minha tia, com a voz embargada, me pede para dizer ao meu pai que minha avó falecera.

Ainda hoje eu choro ao lembrar disso.

Eu, chocada, meio desesperada, ouço meu pai descendo as escadas da casa, e chamo ele quase gritando. Digo para minha tia, sem saber o que fazer, para ela contar a ele. Ele vem rapido para o meu lado, preocupado, pergunta o que aconteceu. Eu, já em prantos, entrego o telefone e digo "é a vó".

Dali em diante algo mudou.

No fim de semana anterior meu pai havia ido ver minha vó, se despedir, e me chamou para ir junto. Ele disse: "Di, vamos ver sua avó. Ela não tem muito tempo..." ou algo assim. Era um domingo de manhã, eu havia dormido depois de amanhecer e não queria acordar e sair e respondi: "não, hoje não, eu vou na semana que vem..."

Só que a semana que vem nunca chegou. E eu não conseguia lidar com a culpa.

A partir dai eu comecei a ter crises de depressão e mania cada vez mais frequentes. Eu ciclava com muita rapidez. Saia todos os fins de semana, bebia muito. 

Por mais que coisas boas tenham acontecido naquela época, a forma como eu lidei com essas coisas foi totalmente norteada pela crise profunda que eu estava. Tudo era muito intenso, tudo era muito forte, confuso.

Naquele ano nós tivemos nosso primeiro relacionamento poliamoroso, ou era assim que eu entendia. Saimos da casa dos meus pais para morar juntos exatamente quando eu perdi meu emprego. Ao mesmo tempo que as coisas pareciam ótimas as crises iam piorando. O relacionamento se deteriorava junto comigo e isso fez com que a maioria das pessoas entendesse que era o relacionamento que me fazia adoecer e não o contrário. Na época não entendiamos o que estava acontecendo.

Depois de quase um ano da morte da minha avó eu estava no fundo do poço. A dor que eu sentia dentro de mim era insuportável. Eu tinha episodios de auto flagelo que eu não tinha desde os 13 anos. Eu não conseguia dormir, passava 72h acordada para dormir 4h e depois passar mais 72h acordada. A velocidade dos meus pensamentos era tâo grande que eu mesma não conseguia acompanhar e ter uma linha de raciocinio logico, terminar um pensamento sem entrar com outro no meio. Sentia que no trabalho eu era a unica capaz de resolver problemas que existiam há anos, de forma simples, por que eu era capaz de pensar coisas que ninguém havia pensado antes. Fazia planos mirabolantes para tudo ao mesmo tempo que a dor me dominava e eu chorava por horas. Com medo do relacionamento acabar, porque eu sabia que estava quase impossivel de conviver comigo, eu tinha discussões e mais discussões, suplicava para não ficar sozinha.

Até que em algum momento, num dia igual qualquer outro, eu consegui dormir um pouco mais. E quando acordei, com a mente mais clara do que havia estado no ultimo ano inteiro, eu tive um insight. Eu entendi o que estava acontecendo comigo.

Durante toda a minha infância eu convivi com a minha mãe, primeiro com crises devido a sindrome de panico, e depois com ela em tratamento e melhorando. Eu sabia que eu tinha esse diagnostico desde pequena, eu apenas não havia dado bola pra ele. Mas naquele dia, naquela manhã, eu entendi que tudo aquilo que eu sentia, toda a dor, toda a angustia, toda a agitação, tudo, eram sintomas de uma doença. E que se era uma doença então ela tinha tratamento. Eu entendi que eu poderia ficar bem, que eu podia não sentir tudo aquilo. Eu entendi que eu podia ficar bem...

Eu liguei para os meus pais e pedi que eles averiguassem no livro de referência do meu convênio que eu havia deixado na casa deles o telefone de um psiquiatra. Expliquei o que estava acontecendo, que eu sabia que estava doente e que eu precisava de ajuda, Eles prontamente me ajudaram, me arranjaram o telefone e eu marquei a primeira consulta.

Não foi um começo fácil.

A psiquiatra era muito competente, referência em tratamento de transtornos afetivos fui saber depois, e ela teve muito cuidado antes de fechar o diagnostico.

O que eu aprendi desde ali é que quando chegamos ao psiquiatra pela primeira vez, geralmente em crise, eles fazem uma avaliação durante algumas consultas onde eles analisam não apenas o que falamos, mas como nos comportamos e qual a reação que temos com a medicação inicial que eles passam. Ela trabalhou com algumas hipoteses de diagnostico até fechar com o Transtorno Afetivo Bipolar, ou Transtorno Bipolar de Humor. Na época eu apresentava um quadro de neurose e ansiedade também.

O tratamento começou, começamos testando alguns medicamentos. O importante, inicialmente, ela dizia ser retomar meu sono. Eu precisava dormir. Mas mesmo com a medicação eu não conseguia.

E o cansaço me dominava. E por consequência o desespero.

Eu cheguei a usar maconha como forma de relaxamento para ver se isso me ajudava a dormir. Deixei de usar quando vi que nem isso funcionava.

Com os remédios na minha mão, e com tudo a minha volta ruindo, tudo que eu queria era poder descansar. E fazer as pessoas a minha volta pararem de sofrer por minha causa.

Eu comecei a sair de casa para escrever e respirar. Ia para a padaria perto e ficava lá por horas, sem vontade de voltar para casa. A noite, na hora de dormir, eu exagerava nas doses da medicação para ver se isso me faria dormir por mais tempo e eu finalmente poder descansar.

Até que eu comecei a não sentir nada. Apenas cansaço. Eu só queria descansar.

Nesse dia eu tinha consulta com a psiquiatra. Eu relatei tudo isso para ela. E, melhor do que eu, ela entendeu para onde aquele caminho estava me levando.

E ela pediu a minha internação.

Eu concordei. Eu entendia que estava doente e eu confiava nela. Mas quando ela disse: "Traga seus pais amanhã, vou explicar para eles, e vamos internar você essa semana" eu disse que não "não, essa semana não, eu tenho muitas coisas pra fazer ainda". Ela disse "não é assim que funciona, Adriana. Você pode fazer tudo depois. Agora você precisa se tratar".

E, sabem de uma coisa?

Ela tinha razão.

Eu levei meus pais, meu namorido, e todos entenderam o que precisava ser feito e o que iria acontecer se eu não fosse internada naquele momento.

Eu passei 14 dias no hospital. A maior parte do tempo eu dormi. Eu tomei doses altíssimas de remédio, controladamente, para que eu dormisse o maximo de tempo possível.

Todos os dias a medica ia me ver, assim como meu psicólogo, e ela me questionava sobre como eu me sentia. Especialmente se os pensamentos de morte haviam desaparecido.

Nos primeiros dias eu nem entendia a pergunta direito. Eu achava estranho, porque eu só queria descansar. Mas conforme os dias passavam e eu dormia mais e meus pensamentos ficavam mais claros, eu entendia porque ela havia me internado.

Ela tinha visto o risco que eu estava, silenciosamente, me colocando. Ela tinha experiência para ver o que esses sentimentos de cansaço, de culpa, de desespero, de inadequação, iriam me levar.

Eu acho, olhando hoje, que ela tinha razão.

Mas ela me resgatou. Me internou num momento que sozinha eu não era capaz de sair daquele buraco escuro. E isso foi a luz que eu precisava. 

Eu sai do hospital direto de volta para a casa dos meus pais. Na época eu não sabia, mas eu continuava internada em internação domiciliar. Eles eram responsáveis por mim. Eu não podia ter acesso a minha própria medicação, eles eram responsaveis por me dar cada remedio nos horarios corretos, garantir que eu tomava todos, que eu dormia, e que iria em todas as consultas com a psiquiatra, a cada 15 dias, e no terapeuta semanalmente.

Foram mais 6 meses assim. Eu lembro de flashes dessa época. Lembro que eu tive que reaprender a sentir cada sentimento de novo. Tive que redescovrir quem eu era. 


Mas essa parte da história fica pra outro dia. Por que, a parte mais importante, e eu preciso que você entenda isso, é:

Eu estou aqui. Eu estou bem. Eu tenho uma vida boa, feliz, e satisfatória. 

Eu não estou curada. Eu continuo e sempre terei Transtorno Bipolar. Isso é uma das minhas caracteristicas, uma das partes de quem eu sou. Eu tenho muitas limitações. MAS EU ESTOU AQUI.

Eu tenho algumas oscilações de humor. Mas eu nunca mais tive uma crise tão profunda como essa de 17 anos atrás. Há 17 anos eu fui resgatada de mim mesma. Eu procurei ajuda e eu recebi a ajuda que eu precisava. E por mais dificil que tenha sido, por mais percalços que eu tenha tido no caminho, não desistir do tratamento, persisitir, me permitiu chegar aqui e contar que sim, é possível.

A dor pode passar. Procure ajuda. Consulte um medico, procure fazer terapia com um psicologo, peça ajuda as pessoas ao seu redor que se dispuserem a ajudar. Insista no tratamento. O começo é dificil, demora um pouco para encontrar o seu caminho. Mas é possivel!


Não desista. Você não esta sozinho. E o que eu posso fazer é contar a minha história e esperar que, tendo um exemplo, você possa encontrar a força de buscar a ajuda médica que precisa. Ajuda profissional.

Vou deixar aqui duas informações importantes, o telefone do CVV - Centro de Valorização da Vida, grupo de auxilio e atendimento, e o site da ABRATA - Associação Brasileira de Transtornos Afetivos, onde você encontra informações, e acolhimento a portadores e familiares de transtornos afetivos:

CVV: - disque 188

ABRATA: http://www.abrata.org.br/