De mãe e louco todas temos um pouco

Sejam bem vindos ao cantinho aconchegante que reservei para essa conversa. Espero que esses relatos possam de alguma forma ajudar aqueles que tem duvidas, receios, e as vezes até mesmo culpa por não serem perfeitos como gostariamos de ser para nossos filhos, que ja estão aqui, ou estão por vir.
Essa é minha forma de compartilhar essa experiencia fantastica que tem sido me tornar mãe, inclusive pelas dificuldades que passei, passo e com certeza irei continuar passando por ser Bipolar. E o quanto nos tornamos mais fortes a cada dia, a cada queda, como essa pessoinha que chegou me mostra a cada dia que passa.
A todos uma boa sorte, uma boa leitura, e uma vida fantastica como tem sido a minha, desde o começo e cada vez mais agora!

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Sobre conviver com um bipolar...

As férias passaram. Aos poucos a rotina vai voltando ao normal. Conforme os dias vão entrando numa certa normalidade, tento encontrar a melhor forma de retomar os posts no blog.

Eis que recebi uma comentários querendo saber sobre como é a relação minha e de meu esposo e como essa relação é afetada pela bipolaridade. E eu achei que era um assunto que merece atenção e um texto mais longo do que uma resposta rápida.

Não vou entrar em detalhes mas espero abordar a questão de como se relacionar com um bipolar de forma que ajude.

Vamos lá:

Quando eu meu marido começamos a namorar eu já tinha recebido um diagnóstico inicial de Psicose Maníaco Depressiva. No entanto eu não fazia nenhum tipo de tratamento com psiquiatras ou terapia, nada.

Não era algo que eu entendia e considerava relevante. Minhas mudanças de humor constantes eram vistas como parte de quem eu era. Não era visto como uma doença e minhas ações e reações não eram caracterizadas como sintomas.

Era uma peculiaridade. Eu era "difícil" e "briguenta", muitas vezes "sensível" ou "exagerada", sempre "instável". Eu era adolescente e estava vivendo uma "fase rebelde".

O próprio termo bipolaridade ainda não era algo difundido nem na comunidade médica e as pessoas não falavam sobre transtornos mentais. A internet ainda era um bebê caminhando e celulares só faziam ligações.

Ok, sou velha.

Eu e meu esposo namoramos por 5 anos até chegar o momento em que eu comecei meu tratamento.

Não sei se teriam sido 5 anos mais fáceis se já soubéssemos que eu tinha uma doença e já fizesse tratamento.

O que eu sei é o que nos vivemos.

Acho que é importante falar que por mais que fosse difícil pra ele lidar comigo durante as crises, também era difícil pra mim lidar com ele.

Pessoas não são fáceis. Pessoas são. Um indivíduo tem diversas características pessoais que o tornam único, algumas positivas e outras não tanto. A bipolaridade é uma característica médica, como seria ter diabete, pressão alta, ou outra enfermidade que requer tratamento.

Dito isso, eu entendo que não é fácil.

Quando meu namoro começou meus amigos não acreditavam que o relacionamento duraria muito tempo. O fato de eu ser volúvel e inconstante os fazia acreditar que eu enjoaria do relacionamento em 1 ou 2 meses.

Claramente não foi o que aconteceu.

Mas um fator determinante para isso é que eu não estava vivendo nenhuma crise aguda naquele momento. Eu estava relativamente bem e isso se manteve por muito muito tempo. Não que eu não tivesse alterações de humor, mas elas eram administráveis e passavam apenas como uma personalidade forte.

Eu acho que com relação a minha bipolaridade nosso verdadeiro teste veio em 2002, 2003. Já estávamos juntos há anos e uma série de fatores convergiram para que eu tivesse uma crise depressiva muito aguda, muito grave e que foi a que me levou ao tratamento, a uma internação e uma mudança completa na minha vida.

E acho que quem me perguntou deve conhecer alguém talvez com um caso como o desse momento.

Eu sei o que eu vivia dentro de mim e sei o que meu esposo e família me contaram sobre como foi viver comigo naquela época.

Eles não eram perfeitos, mas posso dizer que o apoio de todos que escolheram se manter próximos foi essencial para o sucesso do meu tratamento.

Agora, não foram todos os meus conhecidos que conseguiram lidar com isso.

Pessoas que eu gostava muito se afastaram de mim, alguns para se preservar, outros por não querer a responsabilidade, e outros apenas porque eu deixei de ser uma companhia agradável.

Meu marido pensou em me deixar mais de uma vez. Meus pais tinham medo do que podia acontecer. Minha irmã sentiu raiva em alguns momentos.

É muito difícil você ver uma pessoa que você gosta ser tomada por um sofrimento que não pode ser medido ou demonstrado, difícil de ser entendido.

Quando é possível saber se aquela reação foi real ou foi por causa da doença? Será que se aceitar um comportamento ou uma ação que teria sido motivada pela crise você não estaria dando justificativas e desculpas para a pessoa bipolar usar quando convir mesmo fora da crise?

Meus pais, minha irmã e eu sempre fomos muito próximos e muito ligados e temos essa ideia de fazer tudo pela família.

Um relacionamento amoroso não tem essa premissa. Pode ter a promessa romântica, mas não a premissa. Porque se relacionar com alguém é uma escolha. (Ou deveria ser)

Então eu entendo que meu esposo, na época namorado, fez uma escolha consciente de ficar comigo. Antes e durante e depois da crise.

E ele teve que se relembrar disso muitas e muitas vezes ao longo dos 20 anos que estamos juntos. Ele faz essa escolha todos os dias ainda hoje.

Se ele sente raiva de vez em quando? Claro que sente. Se brigamos? Sem dúvida. Quase nos separamos diversas vezes.

No fim, quando a poeira abaixa e estamos mais calmos pra pensar e conversar sempre decidimos continuar juntos.

Mas olha, não é pra todo mundo.

E tudo bem.

Tem algo muito importante que é base fundamental para tudo ter dado "certo" até hoje: querer melhorar.

Quando eu tive a tal crise em 2002 eu tive um momento de clareza que me fez entender o que eu estava vivendo e sentindo como parte de uma doença e isso foi algo transformador.

Porque doenças podem ser tratadas e administradas. É possível viver bem. Eu não precisava passar por tudo aquilo, eu não precisava viver daquele jeito e nem ser aquela pessoa. Eu podia melhorar.

Eu acredito que o fato do meu marido ter ido comigo ao médico, ter conversado e aprendido o que estava acontecendo comigo, ter meu terapeuta dando a ele ajuda e dicas do que esperar e o que caracterizava a doença fez diferença na descisão dele de ficar do meu lado e me ajudar.

Ele acreditou em mim. Ele entendeu que era uma doença. Ele acreditou que aquilo podia mudar. E eu, do meu lado, me comprometi a seguir o tratamento.

E olha, não foi fácil nem rápido. Eu cheguei a abandonar o tratamento após uma perda e retomei e me mantive no mesmo porque eu decidi ser mãe e a única forma segura de fazer isso era alcançando uma estabilidade que eu nem sabia como era.

Mas eu queria ficar bem. Eu queria melhorar acima de tudo. E eu sabia dentro de mim que isso era possível porque eu já tinha visto isso acontecer com outra pessoa.

Vamos pular muitos anos pra frente.

O blog me permitiu aprender muito e conhecer muitas pessoas. Muitos conhecidos da minha adolescência apresentaram ao longo dos anos algum tipo de transtorno, seja a bipolaridade seja ansiedade, pânico, etc.

Uma coisa que eu aprendi é que ninguém está a salvo de um dia viver uma crise de algum transtorno mental. Uma pessoa que nunca teve nada pode ter uma depressão pós parto. Ou uma depressão profunda ao tentar migrar para outro país. Ou um transtorno de pânico devido a pressão irreal de um trabalho infeliz.

E todas elas podem precisar de ajuda.

Mas a gente só pode ajudar quem quer ser ajudado.

E a gente só consegue ajudar outra pessoa se a gente estiver bem.

É possível adoecer por tentar ajudar alguém que se recusa a seguir um tratamento.

O mundo não para de girar esperando a gente ficar bem. Nem existe atestado de afastamento pra ficar junto com o amigo ou amor que não está bem e precisa de companhia ou supervisão.

Você não deixa de se ofender ou se magoar porque você sabe racionalmente que aquela pessoa não tem controle do que está fazendo ou falando.

Não é culpa de ninguém. Nem do doente nem do companheiro. Só é.

Se a pessoa não quiser se tratar ela vai ter ações para boicotar o tratamento. Consciente ou inconscientemente.

Agora, como pessoa bipolar, eu sei como é difícil aceitar que você não vai tratar só a crise. Que o que você tem é uma doença crônica e que para alcançar e manter-se sob controle você vai precisar se tratar para o resto da vida.

Cara, o resto da vida é muito tempo.

E o caminho pra alcançar a estabilidade é muito lento. Você começa o tratamento muitas vezes sendo dopado. Você precisa interiorizar e aceitar que muito do que você achava que era algo que te definia na verdade era um sintoma de uma doença e que pra ficar bem você vai ter que abrir mão do que você sabe sobre você e passar por um longo processo de reaprender e redefinir a si mesmo.

Você vai tentar diferentes remédios e diferentes doses e combinações antes de encontrar algo que te faça mais bem do que mal. Vai passar meses e anos, no começo duvidando de si mesmo e depois recuperando sua auto estima.

Quem estiver do seu lado vai escolher estar ali.

Então, acho que depois de tudo que eu contei e disse, quero terminar com um:

Vale a pena.

Fazer o tratamento vale a pena. Insistir, lutar, vale a pena. O que você ganha é muito mais do que você deixa para trás.

Ninguém merece sofrer.

E se você for a pessoa que está próximo de um bipolar vivendo uma crise, força.

Ninguém pode fazer a escolha de ficar por você. Eu espero que você faça a melhor escolha pra você e pra quem você ama.
Que vocês encontrem paz e felicidade em suas vidas. Eu não sei qual escolha vai ser essa. Nem sempre o melhor pra mim vai ser o melhor pra você. E tudo bem.
Mas eu te aconselho a fazer isso de forma honesta e calma. Sem culpa ou pressões.
O caminho de cada um é de si mesmo.
Nos podemos apenas escolher caminhar lado a lado, ou não.

Espero ter ajudado vocês a pensar sobre isso.

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