De mãe e louco todas temos um pouco

Sejam bem vindos ao cantinho aconchegante que reservei para essa conversa. Espero que esses relatos possam de alguma forma ajudar aqueles que tem duvidas, receios, e as vezes até mesmo culpa por não serem perfeitos como gostariamos de ser para nossos filhos, que ja estão aqui, ou estão por vir.
Essa é minha forma de compartilhar essa experiencia fantastica que tem sido me tornar mãe, inclusive pelas dificuldades que passei, passo e com certeza irei continuar passando por ser Bipolar. E o quanto nos tornamos mais fortes a cada dia, a cada queda, como essa pessoinha que chegou me mostra a cada dia que passa.
A todos uma boa sorte, uma boa leitura, e uma vida fantastica como tem sido a minha, desde o começo e cada vez mais agora!

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Minha História - parte 3

Quando saí da escola no meio da 7ª série, eu fui levada pela primeira vez ao psiquiatra. Era o médico que tratava minha mãe para Síndrome de Pânico já há vários anos, e meus pais finalmente aceitaram o fato de que talvez tivesse alguma coisa errada comigo.
Já na primeira consulta, de cerca de 2 horas, ele deu um diagnostico: Psicose-Maníaco-Depressiva. Ou o que é conhecido hoje como Transtorno Bipolar do Humor, mas que naquela época ainda tinha esse outro nome.

Ele receitou que tomasse antidepressivos e eu o fiz por um mês e parei. Meus pais não relutaram muito com isso. Pra eles também era difícil aceitar que a filha de 13 anos precisaria tomar remédios para a vida toda.

Mas eu fiquei com essa informação guardada dentro de mim por muitos anos. De alguma forma eu sabia que aquilo significava algo importante, mesmo que na época eu não entendesse.
Na época era só uma fase. E ia passar.

E por algum tempo, quando eu me encontrei e encontrei um lugar para fazer parte, passou... Ou eu achei que era suportável o suficiente para acreditar que aquilo era parte de mim, e que aquela pessoa era quem eu realmente era.

Pulei de uma escola a outra e terminei a 8ª série raspando. Naquela época eu estava interessada em outra coisa... Nos amigos que eu sofri tanto até conseguir... E me agarrei a eles como se minha vida dependesse daquilo. Com toda a intensidade que uma adolescente bipolar pode fazer.


Era 1996 quando eu os conheci, depois de uma festa no carnaval que minha irmã deu para os amigos e conhecidos dela que jogavam RPG. Foi a partir dali que eu passei os fins de semana indo há uma unidade do Sesc e ao Shopping para conhecer e conviver com pessoas que, finalmente, gostavam das mesmas coisas que eu. Que eram diferentes, que gostavam de fantasia e ficção cientifica, de jogar RPG, e que estavam dispostas a me aceitar como eu era.
Que estavam dispostas a me aceitar.
E foi ai que eu tentei me encaixar. Foi onde passei toda a minha adolescência.
E foi nesse meio que tentei construir quem eu era pela primeira vez...

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Minha História - parte 2

Era um mês de julho e eu simplesmente não sentia vontade de fazer nada.
Em casa a coisa não era melhor. Chorava sem motivo algum, comia muita besteira, passava as madrugadas acordada assistindo TV e jogando vídeo game, e de manhã me recusava ao máximo a levantar para ir à escola.

Meu pai, mais de uma vez, cortou o fio da TV com faca para que, já que eu ia ficar em casa, não tivesse a TV como distração. Ele não entendia que a TV não era o problema. E ignorava que eu sabia refazer a fiação.

Brigava muito com meus pais, em especial com minha mãe.  Me sentia incompreendida o tempo todo. Por mim mesma, inclusive. Não entendia aquela dor que eu sentia dentro de mim o tempo todo. 

Em determinado momento decidi começar a me cortar, autoflagelar, especialmente depois de uma briga, para ver se a dor que eu sentia com os cortes podia por um momento me fazer esquecer a dor que eu sentia dentro de mim.

Quando eu ainda estava na 6 série, perto do final do ano, meus pais pediram que minha irmã começasse a me levar para sair com os amigos dela, para que eu saísse um pouco de casa.
Eu sou muito grata a eles todos por isso. Por que esse foi o começo de algo que me salvou por muitos anos sem fazer tratamento.

Não foi fácil, mas eles estavam dispostos a me ajudar, e me aceitaram junto deles. Eu me sentia mais como uma mascote, mas mesmo assim, foi mais do que eu havia tido nos últimos 2 anos.
Minha irmã e seus amigos jogavam RPG. Saiam a noite para ir à bares, sim, por que a maioria deles era maior de idade ou quase. Mas muitas vezes apenas iam lá em casa, jogar RPG, passar tempo, conversando ou mesmo jogando vídeo game.

Eles foram os primeiros a adotar nossa casa como um segundo lar temporário. E no auge da minha crise, foi a diversão de jogar RPG e as pessoas que conheci através deles que iriam, por fim, me ajudar a sair do abismo que eu me encontrava.

Com eles houveram dois momentos bem marcantes, e uma pessoa que me adotou como irmã e cuidou de mim ainda por muitos anos pra frente.
O primeiro momento foi numa discussão que eu os ouvi ter em casa onde eu ouvi minha irmã, brigando, dizer “Mas vocês são MEUS amigos!” e um deles responder “Nós somos amigos DELA também!”

Eu nunca esqueci isso.
Mas ainda sim, a dor persistia dentro de mim, e eu tinha dificuldade de me adaptar a tudo aquilo. Ao atender o telefone de casa e reconhecer a voz de qualquer um deles, nem esperava que pedissem, já avisava que ia chamar minha irmã e passava o telefone pra ela.
Então um dia fui pega de surpresa por um dos amigos dela. “Eu não liguei pra falar com ela, eu liguei pra falar com você!”. André... Nós passamos uma hora conversando no telefone aquele dia, e no fim ele não pediu para falar com minha irmã. Nós nos despedimos e ele só ligou pra ela no outro dia.

Aquele dia ele ligou e falou comigo.

Eu ainda acho que ele fez isso por pirraça pela forma como eu atendia o telefone. Mas não importa. Nós fomos amigos até o final, quando ele foi levado da vida mais cedo...

Queria que ele soubesse que aquele simples telefonema foi de imensa importância na minha vida. Mas se hoje não posso contar pra ele, conto para você.

Ele foi alguém que esteve do meu lado quando eu mais precisei...


Dos amigos de minha irmã eu me apaixonei por um deles. Daqueles bons amores impossíveis que temos na pré-adolescência, eu tinha 12 anos e ele 20. E por mais que a reputação dele fosse de galinha que sai com todo mundo, ele era um cara bem correto. Obviamente nunca se interessou por mim, e eu agradeço por isso também. Por que foi importante ter contato com pessoas que faziam o que era certo. E ele me adotou como irmã, cuidou de mim, e esteve ao meu lado em bons e maus bocados. Ele tomou para si a responsabilidade de cuidar de mim quando eu não estivesse em casa, ficando comigo quando meus pais saiam, me levando para sair, me buscando quando eu eventualmente conheci outros amigos e saia sozinha, mesmo que eu ligasse pra ele ás 3 da manhã e ele estivesse dormindo. Foi, é, meu irmão. Sempre será. Por que amor se constrói, se mantém, assim, com pequenas e grandes ações. Mas principalmente por estar lá quando parece que estamos sozinhos.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Minha história - parte 1

Quando eu era criança eu queria ser escritora. Quando eu entrei na adolescência eu continuei querendo ser escritora. Ai veio um negocio chato pra caramba e atrapalhou toda minha vida: chamava Transtorno Bipolar do Humor.

Eu tinha 13 anos de idade quando tive minha primeira crise depressiva severa. Eu havia mudado de escola havia 2 anos e não tinha conseguido fazer amigos. Tinha duas colegas, mas elas eram mais amigas entre elas mesmas do que minhas amigas. Eu tentava, e na época achava que éramos amigas sim, mas a verdade é que algo já estava agindo por debaixo dos panos da minha mente. Hoje eu sei.

Sofri bullying na escola durante esse período. Era gordinha, tinha as pernas e os braços cheios de pelo, que meus pais teimavam em não me deixar depilar por acharem que eu era muito nova. Ia muito bem na escola sem fazer esforço algum, escrevia bem, era tímida, e ia mal em esportes. Basicamente um prato cheio para os valentões e pré-adolescentes em geral provocarem e manterem distância.

Chegou a acontecer na sala de aula um trabalho em que os professores pediram que a classe desenhasse como eles viam a união do grupo, onde foi desenhado uma grande panela com umas 3 pessoas tentando entrar. Eu fui identificada pelos colegas, durante a discussão sobre o desenho, como uma dessas pessoas. A professora então me questionou se eu achava que era excluída da sala por que eu era gorda, ao que eu disse que não, e fui prontamente corrigida por outra menina.

Lembro de uma aula de educação física em que um menino começou a me xingar. Eu tentei não dar bola e sair de perto. Ele veio atrás de mim depois de beber água no bebedouro e cuspiu toda a água que tinha guardado na boca em cima de mim. E apesar de eu reclamar com o coordenador sobre isso, ele foi liberado com uma conversa e uma promessa que não faria mais isso, e um pedido falso de desculpas. Estávamos na 6ª série.

Dali pra frente, a coisa degringolou. Quando passei para a 7ª série, deprimida, sem vontade nenhuma de sair de casa, do quarto, e depois de passar férias em um SPA na tentativa em vão de emagrecer uns poucos quilos, eu decidi mudar minha estratégia. E ao invés de tentar me encaixar, resolvi que ia chocar os outros.

Então eu acordava de manhã, tentava cabular aula, e quando não conseguia, fazia alguma coisa fora do padrão. Comecei a ir com roupas curtas. Me recusava a fazer os deveres de casa e a participar das aulas de educação física. Escrevia e distribuía textos eróticos para os colegas. Num projeto na aula de artes fui instruída a fazer uma escultura que demonstrasse algum sentimento. Ao ter minha ideia inicial rejeitada por que não aparecia um rosto no personagem, decidi fazer uma escultura de uma mulher ajoelhada chupando um homem em êxtase.

É.

Acho que o maior problema para a escola é que eu passei a ter seguidores. Lembro de um dia em que vieram me perguntar na aula de educação física por que eu não estava participando, ao que eu simplesmente respondi que não queria. Perguntaram se eu não ia ser penalizada por isso, ao que respondi: “Vou ficar com falta sim. E daí? Se eu não quero, não faço, não sou obrigada.”

E na semana seguinte mais 4 pessoas se recusaram a fazer a aula. Por que se eu não era obrigada, eles também não eram.


Ai a escola gentilmente sugeriu que eu me retirasse dizendo que ali não era meu lugar...


Continua...

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Uma conversa sobre depressão...

Não, não sumi de verdade, de novo.
Só esta bem difícil de escrever.
Então quero falar um pouco sobre isso. Sobre depressão.

A depressão sempre foi um dos aspectos mais fortes no meu tipo de bipolaridade. Sim, existe mais de um tipo de bipolaridade, e vale a pena pesquisar sobre isso. Inclusive, você pode apresentar tipos diferentes em etapas diferentes da sua vida.

No meu caso, apesar de já ter tido diversos episódios de Mania e de Ciclotimia, a depressão sempre foi uma companheira mais constante.

Minha primeira crise depressiva foi entre os meus 12 e 13 anos. Não foi um episodio rápido, de dias ou semanas. Estou falando aqui de um quadro que teve inicio discreto quando eu tinha 9 ou 10 anos, e que foi se agravando muito quando eu troquei de escola e passei a ser alvo de bullying e a ficar isolada, aos 10. E isso culminou numa crise tão severa, por volta do final dos meus 12 anos,  que, ai sim com 13 anos, no meio da sétima série, eu não tinha mais condições de frequentar a escola. Nesse momento meus pais, finalmente, deixaram de achar que era “uma fase” e me levaram ao médico.
Fui diagnosticada com PMD – Psicose Maníaco Depressiva – e tratada com antidepressivo. E ai vocês podem imaginar o que aconteceu: o remédio desencadeou um episodio de mania, todo mundo inclusive eu acharam que eu estava melhor, e adeus remédios e médicos e olá crises cíclicas pelos próximos 9 anos.
Quando eu iniciei meu tratamento aos 21, portanto, eu já sabia o meu diagnostico. E acho que isso ajudou, pois fez com que eu conseguisse enxergar o que eu estava vivendo não como “um momento” ou “uma tristeza” mas como parte de uma doença muito mais grave e a qual eu não conseguia mais controlar sozinha.
O fato de ter visto minha mãe lutar por toda a minha vida contra a Síndrome de Pânico também ajudou, pois eu sabia que se eu me tratasse e insistisse no tratamento, eu ficaria melhor, e poderia ter uma vida produtiva. Com limitações, sim. Mas eu sabia que aquele horror pelo qual eu estava vivendo iria passar.
E eu sei disso hoje também.
E eu sei disso todos os dias.
E eu digo isso pra você: Vai passar. Isso vai passar.

Quando comecei meu tratamento em 2003 eu cheguei a ficar 14 dias internada para ajustar a medicação, pois minha psiquiatra tinha medo que eu “sofresse um suicídio”. Eu digo sofrer e não cometer por que nunca existiu a intenção de morte, mas o meu comportamento com a medicação que eu estava apenas começando a tomar era tão perigoso que isso poderia acabar acontecendo da mesma forma.

Após ser liberada da internação, onde eu praticamente dormia o dia inteiro, eu precisei voltar a morar na casa dos meus pais e a partir daí levaram muitos meses até que eu tivesse condição de ficar sozinha de novo.

Começar o tratamento foi muito difícil. Pra mim, claro, mas pra todas as pessoas que conviviam comigo – meu marido, meus pais, minha irmã, meus amigos, minha família. Nós tínhamos que aceitar que eu estava doente, que o meu comportamento não era intencional, que eu não era capaz de controlar meus sentimentos ou minhas ações.
Que eu precisava, conforme a medicação fazia efeito, aprender a sentir tudo de novo. Precisava aprender a pensar, a acalmar minha mente.
Era como se antes eu pensasse à 200km por hora e de um dia pro outro não conseguisse passar de 20Km mesmo que eu me esforçasse.
E uma das coisas que o remédio fez, naquele momento, foi me manter deprimida.

Louco isso não?

Mas o fato é que uma das primeiras coisas que a medicação faz é evitar as mudanças de humor e te manter com um humor só. E, fato é, é muito mais fácil se manter deprimido do que em Mania não?

E é mais fácil tratar um paciente depressivo, por que mesmo que ele não acredite que possa ficar melhor, ele está mais disposto a seguir as instruções do médico, terapeuta e da família, do que uma pessoa em mania que acredita que não precisa daquilo.

De lá pra cá eu alcancei a estabilidade 5 anos depois, engravidei, fiquei quase sem medicação durantes a gravidez, tive uma filha que é tudo pra mim, retomei a medicação, levei mais de um ano pra voltar a me sentir normal de novo, tive altos e baixos, alguns mais altos, outros mais baixos, mas nada comparado ao que eu vivi sem o tratamento.

2015 não tem sido um bom ano. Muitas coisas aconteceram e meu humor, que desde o final de 2014 já estava ruim, mas lutando contra a depressão, foi de mal a pior. A cada vez que eu me percebia melhorando, algum fator externo me devolvia pro olho do furacão.
Doi muito. É difícil lidar com outras pessoas, ou ter paciência. É difícil sentir vontade de fazer qualquer coisa, e de sentir prazer genuíno nas coisas que eu consigo fazer. Existem dias melhores, e eu tento aproveitá-los como posso. Mas existem os dias de rebote, de ressaca mental desses dias melhores, em que tudo que eu consigo fazer é tentar não ser muito desagradável.

É um esforço falar, pensar e fazer qualquer coisa. Cansa. E eu me sinto constantemente cansada.

Ficar e fazer coisas com a Rebeca, com meu Marido, com minha família, são momentos em que sinto que estou saindo debaixo da água e conseguindo respirar. São momentos bons e eu sou grata todos os dias por tê-los e minha vida.

E mesmo assim, eu sei isso sobre a depressão: Isso vai passar.

Se eu for ao médico, falar sobre a medicação, tomar a medicação corretamente, continuar na terapia, e usar os gatilhos que eu aprendi nos últimos 12 anos para me ajudar a sair dessa, isso vai passar.

Terão diz que eu só vou conseguir fazer o mínimo. E tudo bem. Tudo bem fazer o mínimo.

Terão dias, no entanto, em que eu vou ter mais vontade e mais energia, e nesses dias eu preciso tentar agir para que esses momentos se multipliquem.

Tem muita gente que acha que deixar de estar deprimido tem a ver com se sentir bem.
O que eu aprendi é que tem a ver com parar de se sentir mal o tempo todo.

Ninguém é feliz o tempo inteiro. O segredo não é buscar a felicidade, mas buscar não se sentir mal.
É se sentir normal. É ser capaz de ter uma conversa sem que isso te cause uma estafa mental.
É ser capaz de levantar da cama de manhã e reclamar que acordou cedo.
É querer que suas férias cheguem para você viajar.
É esperar pelo fim de semana e reclamar do trabalho, mas ser capaz de ir trabalhar.

É não se sentir mal o tempo todo.

É deixar de estar deprimido.


Então, eu vou repetir, pra mim e pra você:

Calma. Respira. Isso vai passar.

Isso vai passar.

Busque ajuda. Se cerque de pessoas e coisas que você gosta. Fique num lugar que te traga segurança. E confie no seu tratamento.

Isso vai passar.