Estamos em Junho e eu não sei onde foi parar o tempo.
O que acontece é que no final de fevereiro eu me separei do meu marido depois de 23 anos juntos.
Eu não sei se consigo dimensionar o que isso significa.
Quando nós começamos a namorar eu tinha 16 anos e ele 22. Ele já tinha sido casado e tinha uma filha. Pra mim ele era meu primeiro namorado de verdade.
Desde o começo no nosso relacionamento, ali nos primeiros dias, nós já nos entendemos como um relacionamento aberto apesar da gente mesmo não entender ainda como isso funcionava. Nunca tínhamos tido contato aberto com pessoas que tinham esse tipo de relacionamento mas nós sabíamos que não queríamos privar um ao outro de viver outras experiências.
E isso funcionou, as vezes mais e as vezes menos, nos nossos 23 anos.
Ao ponto de que eu, por exemplo, não tenho desejo nenhum de algum dia viver um relacionamento que não seja não monogâmico. Simplesmente não faz sentido.
Mas essa foi só uma parte da nossa relação.
O fato é que eu fiz 40 anos esse ano. Nós íamos completar 24 anos juntos em Julho desse ano.
Mas o relacionamento acabou antes disso.
Tudo que eu sou hoje eu construí ao lado dele. A pessoa adulta que eu me tornei existe com essa marca. Eu não conheço uma outra vida adulta sem ter ele do meu lado.
Vocês conseguem conceber isso? São 23 anos e meio. É uma vida inteira.
No tempo que estivemos juntos nós passamos por dificuldades, ele esteve comigo durante tantas crises incontáveis, durante todo meu tratamento, durante tudo que eu conheço...
Nós temos uma filha adulta linda, incrível, do primeiro casamento dele. E essa é uma coisa que eu tenho muito certa dentro de mim: nós nós separamos dos pais, não dos filhos. Depois de 23 anos como poderia ser diferente? Ela vai ser minha filha pra sempre...
Juntos tivemos nossa filha mais nova. Rebeca é tudo que eu sonhei e muito mais. Ela é inteligente, esperta, com uma empatia que vale milhões, uma disposição pra tudo, é determinada e persistente de um jeito que me ensinou como eu quero ser.
E agora ela está sofrendo o luto da separação dos pais. E ela entende porque essa separação aconteceu. Ela viu como ninguém mais poderia todo o processo de deterioração do relacionamento que levou a separação. E ela entende que isso é melhor, por mais que doa muito.
Ela entende. Mas sofre.
E me dói como nada no mundo ver minha filha sofrer.
E eu tenho que lembrar que ela já estava sofrendo com as brigas que ficavam cada vez mais frequentes. Sempre o mesmo motivo, sempre a mesma briga, sempre as mesmas dores...
Até que ponto nós nos deixamos levar por uma situação ruim porque não conhecemos nada diferente daquilo?
Eu vivo muitas alegrias nesses 23 anos. Muitas. E eu amo muito tudo o que eu vivi e construí nesse período.
Separar não foi uma decisão facil. Eu perdi uma família. Eu abri mão de toda uma realidade e de uma esperança de futuro. Eu abro mão de todo um passado porque eu vi que o futuro na verdade não era mais o que eu sonhei um dia. Porque o presente já não era mais o mesmo.
Nós conversamos muitas vezes sobre nós separar antes de realmente nós separarmos. Foram anos de insatisfação e meses de conversa pra entender que nossa relação já tinha mudado. Que nós não éramos mais os mesmos e não nos víamos mais como o casal que um dia fomos.
Em mim crescia uma mágoa cada vez pior que me trazia tristeza e raiva com a qual eu já não conseguia mais ignorar ou lidar.
Por anos eu achei que enquanto a gente se amasse e quisesse as mesmas coisas nós poderíamos resolver qualquer coisa.
Mas o que eu percebi é que algumas coisas não foram resolvidas. Foram apenas colocadas de lado, numa expectativa de que o tempo levaria aqueles problemas embora.
Não levou.
Eventualmente precisamos olhar para o que nós queríamos de uma relação e perceber, ou pelo menos eu percebi, que eu queria coisas que ele não era capaz de me dar.
E ele percebeu que eu queria coisas que ele não estava disposto a abrir mão ou a fazer.
E foi isso.
Chegamos em diferenças irreconciliáveis.
Chegamos naquele ponto em que existe amor. Mas não mais do mesmo jeito. Existe carinho. Existe respeito. Mas que nada disso é mais suficiente pra sustentar uma relação saudável.
O amor não era mais suficiente.
Não queríamos mais as mesmas coisas.
Eu queria mais.
Eu quero mais.
E principalmente, eu quero mais de mim.
Mas isso tudo me quebrou num momento que eu já estava quebrada.
E eu não estou conseguindo me levantar.
Faz 3 meses e meio e eu sinto uma tristeza que eu tenho dificuldade de lidar.
De repente eu tinha uma mão cheia de certezas e eu não sei onde elas foram parar.
Eu sinto medo. E me sinto sozinha. Uma solidão que só 23 anos acordando e dormindo todos os dias do lado de alguém pode me trazer.
Eu me sinto insegura. E culpada.
Eu não consigo trabalhar direito. Ou cuidar da casa. Ou cuidar de mim.
Eu cuido da Rebeca. E ela cuida de mim. Nós estamos ligadas e sendo a força uma da outra no meio de uma tempestade que não tem previsão de quando vai acabar.
Mas vai acabar.
E eu sei disso.
Uma hora a dor vai ficar mais suportável. E haverão mais dias bons que ruins.
Uma hora as lembranças vão parar de doer e vão fazer parte da história da nossa vida. E vai ser bom. Já é bom.
Uma hora vai ficar mais fácil. Aos poucos. Um pouco mais a cada dia.
Mas por agora eu sinto que eu não estou dando conta.
Eu me sinto completamente perdida.
A deriva.
Então eu me agarro com força no que me ajuda a continuar no rumo.
Me apego no que eu vi antes de mergulhar.
E sigo.
Tá muito muito difícil.
Mas vai passar.
E eu vou sair do outro lado muito melhor do que eu entrei.
A tempestade vai passar.
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